Por uma estética latinoamericana
Sou mestiço: mistura de japonês com gaúcho. Minha mãe é descendente de japoneses e meu pai era descendente de franceses, portugueses e paraguaios. Sou, então, um híbrido e a palavra "mestiço" ou "mestizo" me define. Conheço várias pessoas mestiças também, misturas de italiano, alemão e polonês. Há muitas pessoas assim aqui no Sul do Brasil, onde moro. Eu sou mestiço, elas são mestiças, mas não somos tratados como mestiços. Somos tratados como "brancos". Interessante, não?
Conheço muitas pessoas pardas, "morenas", mestiças também. Algumas mestiças de banto e tupi, outras de banto e português, sudanês e tupi, ou sudanês e português. Ou ainda combinações outras. Essas pessoas afro-descendentes e descendentes de índios são mestiças também. Era de se esperar, então, que um mestiço de pele escura fosse tratado da mesma forma que um mestiço de pele clara, certo? Errado.
Ainda que todos sejamos iguais na mestiçagem, a percepção estética nos diz o contrário. E de que estética estamos falando? De uma estética latino-americana e híbrida? Não, infelizmente. A estética que nos foi imposta é eurocêntrica e branca. Por causa disso, queremos alisar nossos cabelos, esconder a cor da nossa pele e nos declarar como brancos no censo do IBGE. Esforçamo-nos por crer que não existe racismo no Brasil e que a América Latina é um paraíso tropical, uma terra idílica onde todos são bem-vindos e vivem em paz. Mas acreditar em tal fantasia fica difícil ao ler e ouvir sobre o "desaparecimento" de Amarildo - pedreiro da Rocinha - e do menino Eduardo - do Complexo do Alemão - pelas mãos da Polícia. Por mais que se queira acreditar em uma estética alienígena, não se pode negar o absurdo de tal condição e dos conflitos que ela produz cotidianamente.
Encontrei uma citação intrigante de Octavio Paz: "Occidente se ha identificado con el tiempo y no hay otra modernidad que la de Occidente. Apenas si quedan bárbaros, infieles, gentiles, inmundos; mejor dicho, los nuevos paganos y perros se encuentran por millones, pero se llaman (nos llamamos) subdesarrollados". Da mesma forma que o discurso político dominante define a América Latina como atrasada, a estética dominante nos inferioriza. Essa estética colonial e eurocêntrica valoriza a "pureza" racial, a "branquidão", algo inatingível para nós como continente da mestiçagem. É, portanto, uma estética que nos inferioriza eternamente, que nos divide, colocando aqueles que parecem brancos contra os que parecem negros. E, se pensarmos a respeito, tal estética não é adequada mesmo à Europa atualmente, tendo em vista a imigração maciça e a miscigenação que começa a ocorrer por lá. É, portanto, uma estética anacrônica além de opressiva.
É imprescindível afirmar que, quando uso o termo "mestiço" em estética mestiça, não me refiro ao mito da democracia racial e da miscigenação como fator erradicador de conflitos. Refiro-me à origem de "mestiço", que vem da palavra latina "miscere" e significa "mistura". Ser mestiço, nesse sentido, é ser um híbrido, é ser um hífen - conectando identidades que nos definem, mas não nos limitam. Precisamos, então, de uma estética que subverta as ideias de inferioridade atribuídas tanto à América Latina quanto à noção de mestiço. Precisamos, sobretudo, de uma estética baseada no que temos de comum, a diversidade étnico-racial, ao invés da estética dominante que subjuga todas as identidades àquela do homem europeu branco colonial.
É claro que advocar essa nova estética latino-americana - subversiva - implica necessariamente em identificar a relação simbiótica entre a exploração (pós)colonial e a estética vigente embranquecedora. Em outras palavras, a nova estética latino-americana implica não apenas se posicionar contra a hipocrisia das elites dominantes e da retórica neoliberal, como também se aliar estrategicamente com os setores explorados e oprimidos: a classe trabalhadora em geral, o campesinato, o operariado, os sem-teto, a juventude, as pessoas que sofrem opressão por sua opção sexual, grupos étnico-raciais que sofrem preconceito, etc.
Ao escrever estas linhas, não pretendo examinar o assunto exaustivamente. Pelo contrário, queria mesmo era estabelecer uma "provocação". Abaixo, relaciono alguns links relevantes para o tema em debate.
- Racismo na universidade.
- Racismo reverso?
Palavras-chave: estética, américa latina, latinoamerica, racismo.
Comentários
leio-te em 2020 e sou muito grata por suas palavras. Gostaria de usar essa imagem na minha capa do twitter. Pode me informar se e sua ou de alguém que eu possa pedir autorização?
Gratidão e suerte! :)