Herói nacional ou bode expiatório?

Essa charge não me pertence. Todos os direitos reservados a Leo Villanova.

Joaquim José da Silva Xavier, conhecido popularmente como Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira, é o motivo do feriado de hoje. 21 de abril de 1792 é a data em que foi executado. Contudo, é curioso que ele tenha sido o único integrante do movimento a ser morto, publicamente, e ter o corpo esquartejado. Os demais foram presos e posteriormente degredados. Por que Tiradentes foi o único a ser morto? E porque isso é relevante para nós, brasileiros, no século XXI?

A versão tradicional da história coloca Tiradentes como um herói nacional, um visionário, alguém que, em um grande gesto de sacrifício, assumiu toda a culpa pela Inconfidência, tornando possível a clemência com os demais inconfidentes. Mas será que foi mesmo assim? A quem serve essa versão?

Joaquim da Silva, quarto filho de um rico fazendeiro português chamado Domingos da Silva Xavier, ficou órfão de mãe e pai aos onze anos de idade. As propriedades familiares foram tomadas por causa de dívidas. Em situação bastante vulnerável, Joaquim aprende o ofício de dentista com seu tio como forma de sobreviver. Ele fez de tudo um pouco, tendo diversos ofícios ao longo de sua vida, como forma de garantir seu sustento. Ou seja, era alguém que estava muito próximo das camadas pobres da sociedade de então.

Peraí? Mas ele não era um militar? Um oficial do exército? Sim, de fato, Joaquim se alistou em 1780 e atingiu o posto mais básico do oficialato, alferes. Apesar de ter se distinguido no exercício de suas funções, ele não conseguia avançar na carreira. Frustrado, ele deixa a cavalaria em 1787. Ou seja, ao contrário da versão tradicional de um oficial militar, um herói romântico, Joaquim teve uma vida bastante difícil e provavelmente não avançou na carreira porque não era português, não era rico, e por não ter "padrinhos" dentro da própria caserna.

O motivo de ele ser o único executado começa a ficar claro. Certamente, haviam outros brasileiros no movimento de Inconfidência, assim como portugueses também. Mas Joaquim era brasileiro e pobre! Além disso, por ser extremamente popular, ele se tornou algo como a faceta pública do movimento, já que ele tentava recrutar pessoas comuns para a causa. Ao contrário de Tomás Antônio Gonzaga, por exemplo, Joaquim era brasileiro, pobre, não tinha padrinhos e não ocupava nenhum cargo de expressão na administração colonial. Ou seja, Tiradentes era o perfeito bode expiatório.

Apesar de louvável, a Inconfidência foi mais uma reunião de descontentes do que propriamente um movimento para a independência da colônia. Até porque boa parte dos integrantes ocupavam cargos na administração e pertenciam à elite política/cultural/econômica da região. Era um movimento para dentro, não para fora, A principal reivindicação, evitar a derrama, tinha mais um objetivo de resguardar os interesses econômicos da elite do que de fato estender a riqueza do ouro para a plebe (mas isso já é um outro debate. Não nos desviemos).

Por que a história de Tiradentes é relevante para nós? Bem, ele foi um brasileiro, pobre, que teve a audácia de conspirar contra o status quo da época. Ao contrário dos demais inconfidentes, que estavam em posição bastante cômoda, ele realmente almejava por mudanças concretas, por medidas que beneficiassem aqueles que passavam o dia labutando para ver o fruto de seu trabalho ser levado pela Coroa, deixando-os passar fome. Por isso ele falava com o povo trabalhador sobre o movimento. Nesse sentido, Joaquim da Silva se tornou uma figura incômoda para os demais inconfidentes. Antes, se o plano desse errado, bastava se recolher à proteção do anonimato e do cargo ocupado para se esquivar da fúria real. Mas com Tiradentes, já não existia essa opção.

Parece-me que o passado colonial continua muito vivo ainda em nosso presente. E os mais engraçado é ver os descendentes daqueles que puxaram a corda da forca de Tiradentes, louvarem-no como herói nacional. A elite colonial segue viva e vai muito bem obrigado. Ela já não depende do ouro, mas desenvolveu formas mais elaboradas de ganhar seus bilhões em cima do trabalho alheio: algo envolvendo especulação, grandes corporações, propinas eleitorais, manobras políticas, bodes expiatórios...

(antes que me ataquem, considero Tiradentes um líder, um exemplo na luta contra as injustiças, mas não o herói romântico que pintam por aí)

Após essa provocação. Compartilho aqui alguns links interessantes:

"Joaquim, tu vives!", post do blog de Elaine Tavares.

Curta metragem "Tiradentes, o descartável".

Documentário "A Inconfidência Mineira".

Música "Exaltação a Tiradentes".

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