Maria Helena e os operários da construção civil
Remexendo nos arquivos empoeirados da minha conta de email, eis que encontro algo interessante. Trata-se da prova de Economia Marxista I, disciplina que em 2007 era conduzida pelo professor Idaleto Malvezzi Aued. Durante a disciplina, estudamos o tomo I de O Capital. E, durante a disciplina, o professor nos ofereceu o seguinte desafio:
Maria Helena e sua mãe andavam por uma rua do Centro de Florianópolis quando se depararam com um edifício em construção. À sombra de tal estrutura de concreto, as duas observam o movimento incessante de máquinas e homens no canteiro de obras. Em uma placa pregada no tapume que rodeia a obra, lê-se: XYZ Construção e Participação Ltda, Construindo o seu viver. Maria Helena, muito intrigada com tudo aquilo, pergunta a sua mãe o que aqueles homens estavam produzindo.
Segue minha resposta:
Tal pergunta provavelmente despertou uma série de reflexões na mãe da menina, pois ela ficou ainda longo tempo olhando para o prédio, sem dizer nenhuma palavra, como se, de tão entretida em pensamentos, não tivesse nem ao menos escutado sua filha falar. Maria Helena esperou, esperou e, já passado alguns minutos desde que ali chegaram, resolveu repetir a pergunta. Só então a mãe abriu a boca e respondeu.
A mãe de Maria Helena provavelmente ficou refletindo sobre o prédio e sobre o significado do prédio na sociedade em que elas vivem. É de se arriscar que ela esteve pensando não apenas em o que dizer, mas, principalmente, em o que não dizer. Afinal de contas, a pergunta da criança foi honesta, desse tipo de honestidade da infância que não tem pudor algum e, por isso mesmo, desconcerta gente grande e desperta significados ocultos, ou melhor, velados.
Logo, a mãe da menina tem o escrúpulo de não apenas dar qualquer resposta. Lembrando-se dos conhecimentos adquiridos com a leitura de O Capital, ela esboça e articula uma resposta à sua filha. Mas, além de meramente traduzir o que ela falou, esboce-se também o que ela descartou como explicações insuficientes.
A mãe de Maria Helena, caso não tivesse escrúpulo algum, ou apenas desatenta com a criança e com o mundo, poderia muito bem ter dado inúmeras respostas parciais ou mesmo falsas. Por exemplo, poder-se-ia dizer que o edifício em construção era mercadoria produzida pelo trabalho de indivíduos livres que são remunerados de acordo com as horas trabalhadas, e que aquela será comprada por futuros condôminos, os quais ganharam tal soma em dinheiro também através do trabalho pessoal. Ou, poder-se-ia dizer que o "negócio" de construção civil se viabiliza através da produção de prédios, como o em questão, por um determinado valor; depois de pronto, vendendo-os por preços superiores ao valor inicialmente adiantado, gerando o lucro, a "justa" remuneração do "capital". Ou ainda, poder-se-ia dizer que o sucesso da empreiteira pode ser explicado inteiramente pela diligência de seu presidente e também principal acionista, ou seja, o "capital" da empresa é resultado de trabalho acumulado. Nesse mesmo raciocínio, dir-se-ia que a empresa gera empregos ao contratar mão-de- obra, criando oportunidades de subsistência àqueles que foram incapazes de acumular trabalho por não serem diligentes.
Mas, felizmente, não foi nada disso que a mãe de Maria Helena respondeu. Na verdade, ela começou por dizer que os trabalhadores que operavam aquelas máquinas e levantavam aquelas paredes não tinham um lugar reservado para eles naqueles prédios, como em nenhuma outra obra em que tivessem trabalhado antes. O trabalho deles não se acumula em suas mãos, pelo contrário, parece que "se perde". O trabalho contratado é consumido durante a jornada de trabalho, tanto sua parte objetiva, quanto abstrata. Aquele processo de trabalho do canteiro de obras criava um valor de uso, a moradia, incorporando trabalho socialmente necessário, é claro, e também criava uma mercadoria apartamento. Ao mesmo tempo, a parte não-objetiva do trabalho, a força de trabalho, à medida que era consumida, criava mais-valor. De forma que, no final da obra, enquanto os trabalhadores receberão o equivalente por horas trabalhadas, o dono da empresa regozijar-se-á em notar que, tão logo os apartamentos sejam todos vendidos, sua empresa estará recebendo de volta o dinheiro que adiantou, assim como um mais-valor, parcela da força de trabalho que foi apropriada e, portanto, gerando uma não-equivalência responsável pela reprodução do capital.
Os trabalhadores ganham em dinheiro pela força de trabalho vendida, com o qual eles compram mercadorias necessárias à sua subsistência. É o que Marx chama de a "simples circulação de mercadorias". Ao consumir as mercadorias finais, os trabalhadores põem fim ao movimento, já que elas são destruídas e nada além da reprodução da força de trabalho resulta. Para obter dinheiro novamente, o trabalhador deverá vender sua força de trabalho novamente, repetindo o esquema. Enquanto que a empresa capitalista adiantou dinheiro na compra de matérias-primas, máquinas e contratação de força de trabalho, e recupera ainda mais dinheiro depois de vender o produto final. Neste caso, o esquema não tem fim com a venda da mercadoria final, pelo contrário, pois ao se apropriar de mais-valor, recuperando ainda mais dinheiro na circulação, o capitalista prossegue com o movimento, automaticamente, de forma que o capital não se identifica nem com mercadoria, nem com dinheiro.
Na verdade, o capital, em seu processo de reprodução, se identifica mais com o trabalho abstrato, pois este igualmente não se atém a uma matéria específica, nem a um processo de trabalho determinado. Portanto, é a circulação de dinheiro que permite ao capitalista conservar o movimento do capital, mas é a parcela do trabalho abstrato que é apropriada durante a produção, efetivada no ato da venda da mercadoria final, a responsável pela sua expansão.
Estando a origem de mais valor na produção capitalista de mercadorias, é de se questionar de que forma se constituiu tal relação social entre trabalhadores e capitalistas e de que outras formas ela é reproduzida(ou ainda, até que ponto, socialmente falando, atinge a reprodução de tal relação). A apropriação de parte da força de trabalho, assim como sua contratação implicam no controle dos meios de produção pela empresa capitalista, além do contínuo movimento de separação entre o trabalho objetivado e valor, entre trabalhador e produto.
Logo, a mãe da menina tem o escrúpulo de não apenas dar qualquer resposta. Lembrando-se dos conhecimentos adquiridos com a leitura de O Capital, ela esboça e articula uma resposta à sua filha. Mas, além de meramente traduzir o que ela falou, esboce-se também o que ela descartou como explicações insuficientes.
A mãe de Maria Helena, caso não tivesse escrúpulo algum, ou apenas desatenta com a criança e com o mundo, poderia muito bem ter dado inúmeras respostas parciais ou mesmo falsas. Por exemplo, poder-se-ia dizer que o edifício em construção era mercadoria produzida pelo trabalho de indivíduos livres que são remunerados de acordo com as horas trabalhadas, e que aquela será comprada por futuros condôminos, os quais ganharam tal soma em dinheiro também através do trabalho pessoal. Ou, poder-se-ia dizer que o "negócio" de construção civil se viabiliza através da produção de prédios, como o em questão, por um determinado valor; depois de pronto, vendendo-os por preços superiores ao valor inicialmente adiantado, gerando o lucro, a "justa" remuneração do "capital". Ou ainda, poder-se-ia dizer que o sucesso da empreiteira pode ser explicado inteiramente pela diligência de seu presidente e também principal acionista, ou seja, o "capital" da empresa é resultado de trabalho acumulado. Nesse mesmo raciocínio, dir-se-ia que a empresa gera empregos ao contratar mão-de- obra, criando oportunidades de subsistência àqueles que foram incapazes de acumular trabalho por não serem diligentes.
Mas, felizmente, não foi nada disso que a mãe de Maria Helena respondeu. Na verdade, ela começou por dizer que os trabalhadores que operavam aquelas máquinas e levantavam aquelas paredes não tinham um lugar reservado para eles naqueles prédios, como em nenhuma outra obra em que tivessem trabalhado antes. O trabalho deles não se acumula em suas mãos, pelo contrário, parece que "se perde". O trabalho contratado é consumido durante a jornada de trabalho, tanto sua parte objetiva, quanto abstrata. Aquele processo de trabalho do canteiro de obras criava um valor de uso, a moradia, incorporando trabalho socialmente necessário, é claro, e também criava uma mercadoria apartamento. Ao mesmo tempo, a parte não-objetiva do trabalho, a força de trabalho, à medida que era consumida, criava mais-valor. De forma que, no final da obra, enquanto os trabalhadores receberão o equivalente por horas trabalhadas, o dono da empresa regozijar-se-á em notar que, tão logo os apartamentos sejam todos vendidos, sua empresa estará recebendo de volta o dinheiro que adiantou, assim como um mais-valor, parcela da força de trabalho que foi apropriada e, portanto, gerando uma não-equivalência responsável pela reprodução do capital.
Os trabalhadores ganham em dinheiro pela força de trabalho vendida, com o qual eles compram mercadorias necessárias à sua subsistência. É o que Marx chama de a "simples circulação de mercadorias". Ao consumir as mercadorias finais, os trabalhadores põem fim ao movimento, já que elas são destruídas e nada além da reprodução da força de trabalho resulta. Para obter dinheiro novamente, o trabalhador deverá vender sua força de trabalho novamente, repetindo o esquema. Enquanto que a empresa capitalista adiantou dinheiro na compra de matérias-primas, máquinas e contratação de força de trabalho, e recupera ainda mais dinheiro depois de vender o produto final. Neste caso, o esquema não tem fim com a venda da mercadoria final, pelo contrário, pois ao se apropriar de mais-valor, recuperando ainda mais dinheiro na circulação, o capitalista prossegue com o movimento, automaticamente, de forma que o capital não se identifica nem com mercadoria, nem com dinheiro.
Na verdade, o capital, em seu processo de reprodução, se identifica mais com o trabalho abstrato, pois este igualmente não se atém a uma matéria específica, nem a um processo de trabalho determinado. Portanto, é a circulação de dinheiro que permite ao capitalista conservar o movimento do capital, mas é a parcela do trabalho abstrato que é apropriada durante a produção, efetivada no ato da venda da mercadoria final, a responsável pela sua expansão.
Estando a origem de mais valor na produção capitalista de mercadorias, é de se questionar de que forma se constituiu tal relação social entre trabalhadores e capitalistas e de que outras formas ela é reproduzida(ou ainda, até que ponto, socialmente falando, atinge a reprodução de tal relação). A apropriação de parte da força de trabalho, assim como sua contratação implicam no controle dos meios de produção pela empresa capitalista, além do contínuo movimento de separação entre o trabalho objetivado e valor, entre trabalhador e produto.
Obs. Peço ao caro leitor que leve em consideração as limitações de minha resposta, tendo em vista que eu era apenas um estudante de graduação e essa era apenas uma disciplina. Por outro lado, essa não foi "apenas" uma disciplina uma vez que o que aprendi é "valioso" para mim ainda hoje e sou muito grato ao professor Idaleto pelas aulas. Compartilho essa resposta com a certeza de que o que escrevemos não deve ser engavetado e que pode ser útil a outros.
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