O engodo das 12 horas


Na semana passada, estava esperando pelo ônibus na rodoviária e assistindo o jornal Hoje, da Globo. Foi noticiado que o governo (ilegítimo) Temer estava preparando uma proposta de reforma trabalhista que ampliaria a jornada de trabalho para 12 horas, o que seria para "combater o desemprego". A justificativa me pareceu tão implausível quanto a proposta. E a reação dos motoristas de ônibus que ali estavam também foi de profunda indignação.

Hoje assisti um vídeo em que Michel Temer, diante da péssima repercussão (o que ele esperava?), diz que tudo foi um boato e se prepõe a esclarecer a sua proposta. Ele coloca dois cenários. No primeiro, trabalha-se quatro dias por semana e folga-se três. No segundo cenário, além do primeiro emprego - trabalhando quatro dias de 12 horas e folgando três - o(a) trabalhador(a) acumula um segundo emprego.

Analisemos, pois, as propostas de Temer. No regime da CLT atual, a jornada máxima de trabalho é de 44 horas semanais. Ou seja, trabalha-se 5 dias + a manhã de sábado e folga-se o restante. No primeiro cenário proposto por Temer, quatro dias de 12 horas equivalem a uma jornada semanal de 48 horas! Ou seja, há ampliação de 4 horas do máximo permitido hoje para o primeiro cenário desenhado por Temer. Contudo, as 48 horas não seriam o máximo permitido. Aí entra o segundo cenário, já que com um segundo emprego, o trabalhador preencheria suas horas de folga com outro trabalho, ampliando a jornada para 84 horas semanais (trabalhando-se nos 3 dias de folga), ou ainda pior, para 96 horas (trabalhando também 48 horas no segundo emprego, distribuindo as horas pelos 3 dias de folga e os demais dias de trabalho).

Como político (burguês) profissional, Temer tenta colocar algo terrível de uma forma um pouco mais palatável, insistindo nos 3 dias de folga. Mais aqui é matemático, meu amigo, temos que comparar todos os números. De 44 horas de trabalho semanais, passaríamos a 48 horas de trabalho. Ou seja, ampliação de 4 horas. E seria possível ainda acumular um segundo emprego, fazendo com que na prática os trabalhadores não tenham folga, ampliando a jornada total para 84 ou até 96 horas semanais! Então, essa proposta não é boa para os trabalhadores. Pelo contrário, seria uma tragédia. Seria rasgar a CLT, uma conquista da classe trabalhadora, e voltar para os primórdios do capitalismo.

O que Temer propõe é precisamente o que chamamos de mais-valia absoluta:

O prolongamento do dia de trabalho para além do ponto em que o operário tinha apenas produzido um equivalente do valor da sua força de trabalho, e a apropriação deste sobretrabalho pelo capital — é isto a produção de mais-valia absoluta. Ela forma a base universal do sistema capitalista e o ponto de partida da produção de mais-valia relativa. No caso desta, o dia de trabalho está de antemão repartido em duas partes: trabalho necessário e sobretrabalho. Para prolongar o sobretrabalho, o trabalho necessário é encurtado por métodos por intermédio dos quais o equivalente do salário do trabalho é produzido em menos tempo. A produção da mais-valia absoluta gira apenas em redor da extensão do dia de trabalho; a produção da mais-valia relativa revoluciona de ponta a ponta os processos técnicos do trabalho e os agrupamentos sociais (MARX, 1867).

Explicado um engodo, o outro é de que essa reforma trabalhista diminuiria o desemprego (?). Quando vi isso na televisão, lembro que fiquei me perguntando como diminuiria o desemprego. Não faz sentido. Se cada trabalhador(a) passará a trabalhar 4 horas a mais, haverá menor necessidade de contratar outras pessoas. É lógico! Então, a proposta trabalhista de Temer, golpista, agravará o desemprego, tornando a "negociação" salarial ainda mais difícil, impactando negativamente sobre os salários!

Como vimos, a reforma trabalhista proposta por Temer é uma tragédia para a classe trabalhadora e um sonho para o Capital. Além disso, dizer que isso será bom para os trabalhadores porque eles vão passar a folgar 3 dias ou que a mudança combaterá o desemprego são enganações, engodos, para esconder a ampliação da mais-valia absoluta. Mas, não se preocupe, trabalhe! Essa é a grande solução motivacional de Temer. Parece que, se não lutarmos para barrar isso, estaremos condenados a não ter mais vida, teremos ainda menos tempo para passar com a família, com os amigos, a aprender coisas novas e viajar. Pois além do aumento semanal de 4 horas de trabalho -  com possibilidade de ampliar ainda mais com um segundo emprego - perdemos tempo também no transporte até o local de trabalho, o que não é contabilizado.

Palavras-chave: mais-valia; CLT; reforma trabalhista

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