O jogo da morte?
Explico melhor a ideia. Passamos boa parte de nossa vida tentando construir hábitos saudáveis. Na infância e adolescência, aprendemos a escovar os dentes, a comer salada e a fazer refeições regulares, a dormir na hora certa. Fazemos isso por obrigação, porque nossos pais dizem que é para fazer. Mas, quando adultos, descobrimos que agora o desafio é ainda maior, pois nós temos a maturidade (será?) para decidir por nós mesmos que é melhor comer salada agora do que a "santíssima" trindade - um X, batata frita e aquele tentador copo recarregável de refrigerante.
Ou então que é melhor parar de mexer no celular e ler um livro antes de se deitar, e que devemos, portanto, resistir à vontade de assistir mais um capítulo daquela série nova. Ai minha insônia! Ou ainda se é melhor comer vegetais carregados de agrotóxicos ou aquela carne cancerígena no churrasco. Se queremos morrer de câncer causado pelo teflon das panelas, pelo câncer causado pelos agrotóxicos ou pelo combo câncer com embolia pulmonar causado pelos cigarros eletrônicos. São tantas opções sedutoras que fica realmente difícil decidir.
A impressão que dá, caro leitor, é que estamos em uma corrida contra o tempo. O objetivo do jogo deixou de ser ter uma vida longa, saudável e significativa. Passou a ser tentar não morrer tão cedo. Eu sei, o que falo parece contradizer as estatísticas de expectativa de vida. Não contradiz, pois realmente estamos vivendo mais, em média - com a exceção das vítimas das guerras, pandemias e genocídios, é claro. Mas acho que precisamos olhar também para as estatísticas das mortes, não apenas para as da vida. Segundo a OMS, 71% das mortes (41 milhões) são causadas atualmente por doenças crônicas não transmissíveis - o câncer, as doenças cardiovasculares, a diabetes, a obesidade, o enfisema pulmonar, entre outros. Se adicionarmos a essa lista os suicídios, muitos causados por depressão crônica ou por outros transtornos, são 700 mil mortes adicionais por ano.
"Que mórbido esse texto!", alguém pode dizer, e com toda a razão. Mas acho que mais mórbido é viver em um sistema desigual, decadente e destruidor que constantemente se maquia de justo, inovador e sustentável. Nesse jogo da morte, a única solução viável para um jogador inteligente é perceber que qualquer saída individual para um problema coletivo é insuficiente. Em outras palavras, para não morrer cedo em um sistema insalubre e mortífero, todos os jogadores (ou pelo menos a maioria, aqueles com menos fichas no jogo) devem se unir e pôr um fim ao jogo.
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