Nesta quinta-feira(05), O IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas - apresentou um projeto na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa(no Senado Federal) de reforma tributária, com a extinção da Cofins e a ampliação do Imposto de Renda. Na ocasião, o presidente do IPEA, o professor licensiado de economia da Unicamp Marcio Pochmann, apresentou o projeto de medida como uma forma eficaz de combater as desigualdades sócio-econômicas no país, através do mecanismo da tributação, no que chamou de "justiça tributária". Segundo ele, o imposto de renda progressivo é um recurso já utilizado por outros estados como França, Argentina, China(vide matéria da Folha).
"Temos hoje apenas duas alíquotas para o Imposto de Renda, uma de quinze por cento e outra de vinte e sete por cento. Por que não tornar o Imposto de Renda mais progressivo, criando, por exemplo, doze diferentes faixas de contribuição, com alíquotas que poderiam variar entre zero e sessenta por cento, e ainda implementar um imposto sobre grandes fortunas, como já ocorre em muitos países ricos?", questionou Pochmann.
"Ao justificar sua sugestão, o presidente do Ipea lembrou que, no Brasil, os 10% da população mais rica concentram 75% de todo o estoque de riquezas do país. Além disso, ele explicou que, ano a ano, vem aumentado o comprometimento do salário do trabalhador, principalmente daqueles do segmento mais pobre, com o pagamento de impostos. Para exemplificar sua afirmação, Marcio Pochmann disse que, em 1996, quem recebia dois salários mínimos por mês comprometia 28% da sua renda com a carga tributária. Já em 2003, esse comprometimento passou a ser de 48,9%para a mesma faixa salarial.
- Isso representa um aumento de 73,4% na carga tributária de quem ganha dois salários mínimos - justificou".(
extraído da página do Senado federal)
A análise de Pochmann e do IPEA estão corretas quanto à desigualdade sócio-econômica no país, assim como da avaliação da necessidade de um imposto de renda progressivo, assim como do imposto sobre grandes fortunas. Porém, é necessário nos aprofundarmos em relação ao que é Cofins, sobre quem ela incide, quem lhe é isento, qual é a sua alíquota, quanto ela representa perante a receita tributária, para podermos avaliar com precisão qual o significado real de sua extinção.
Há três tipos principais de contribuições sociais: o Programa de Integração Social - PIS, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Como aponta SOARES DE MELO, "as contribuições objetivam a regulação da economia, os interesses de categorias profissionais e o custeio da seguridade social, num âmbito mais abrangente". E, como esclarece o juiz Wilson de Leite Corrêa, "por Seguridade Social entende-se um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".
Em relação às isenções da Cofins e PIS/Pasep, destacam-se as receitas:
"b) da exportação de mercadorias para o exterior;
c)dos serviços prestados a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domicialiadas no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas;
e)do transporte internacional de cargas ou passageiros;
g)de frete de mercadorias transportadas entre o País e o exterior pelas embarcações registradas no REB(...),
h)de vendas realizadas pelo produtor-vendedor às empresas comerciais exportadoras nos termos(...), desde que destinadas ao fim específico da exportação para o exterior,
i)de vendas, com fim específico de exportação para o exterior, a empresas exportadoras registradas(...)"(VICECONTI, NEVES. p.117).
Além dessas isenções, são suspensos da incidência(desobrigados de recolher as contribuições):
"A incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins fica suspensa no caso de venda à pessoa jurídica sediada no exterior, com contrato de entrega no território nacional, de insumos destinados à industrialização, por conta e ordem da encomendante sediada no exterior, de máquinas e veículos(...)"(ibid, p.119);
"A incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins ficará suspensa no caso de venda de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem destinados a pessoa jurídica preponderantemente exportadora.
Considera-se pessoa jurídica preponderantemente exportadora aquela cuja receita bruta decorrente de exportação para o exterior, no ano-calendário imediatamente anterior ao da aquisição, houver sido superior a 80% de sua receita bruta total no mesmo período";
"A incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins fica suspensa na hipótese de venda dos produtos in natura de origem vegetal, (...) efetuada pelos cerealistas que exerçam cumulativamente as atividades de secar, limpar, padronizar, armazenar e comercializar os referidos produtos, por pessoa jurídica e por cooperativa que exerçam atividades agropecuárias(...)."(ibid, p. 119 e 120)
Dessas isenções e suspenções de incidência, verifica-se uma preocupação jurídica em não tributar as atividades ligadas ao comércio internacional, com destaque à exportação e à produção voltada à exportação, incluindo-se os fornecedores das empresas exportadoras. Ora, essa preocupação não é casual, e sim justamente reflete a inserção do país no sistema mundial, assim como o papel da exportação em equilibrar a balança de pagamentos, trazendo divisas internacionais para o Estado. As exportações representaram 12,3% do PIB nacional em 2007(dados do IEDI). É um volume muito grande em termos de mercadorias, capital e fluxos monetários. Apesar de a isenção refletir a necessidade de tornar a produção em território nacional barata o suficiente para se tornar competitiva, ela também representa um grande problema perante o sistema de seguridade social, inclusive na forma do agravamento do déficit da previdência. Na produção à exportação também existem trabalhadores e eles também terão que se aposentar algum dia. Não é justo, portanto, que os outros setores da economia tenham de "cobrir" a isenção do recolhimento das contribuições dos setores exportadores.
A incidência da Contribuição do PIS/Pasep e da Cofins se dá sob dois regimes: o de incidência cumulativa e o de incidência não-cumulativa. No primeiro, a base de cálculo é o total das receitas da pessoa jurídica, sem deduções em relação a custos, despesas e encargos. As alíquotas para o PIS/Pasep e para a Cofins são, respectivamente, 0,65% e 3%. Estão sujeitas a esse regime as pessoas jurídicas de direito privado que apuram o imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado. No segundo regime, há a permissão de desconto de créditos apurados com base em custos, despesas e encargos da pessoa jurídica. As alíquotas para o PIS/Pasep e Cofins são, respectivamente, 1,65% e 7,6%. Enquandram-se nesse regime as pessoas jurídicas de direito privado que apuram o imposto de renda com base no lucro real, com exceção das instituições financeiras, cooperativas de crédito, entre outras.
Conforme o gráfico 1, pode-se observar a proporção em termos monetários da arrecadação com Cofins, PIS e CSLL. Como se pode notar, a arrecação com Cofins é muito maior do que as outras duas.
Gráfico 1 - Comparação de receita bruta entre COFINS, PIS e CSLL.(em milhões de reais)

No ano de 2007, a arrecadação total com a Cofins foi de R$9,498 bilhões de reais, enquanto que os recebimentos totais do fluxo de caixa da previdência para o mesmo ano foram de R$18,040 bilhões de reais(fonte: IPEAdata). Ou seja, em termos monetários, e se toda a arrecadação com Cofins fosse dirigida à previdência, sua exclusão significaria o fim da metade dos recebimentos da mesma. Contudo, como pode se observar no gráfico 2, a participação real da Cofins na previdência é bem menor. Portanto, é de se perguntar: com qual propósito foram utilizados os 7 bilhões de reais restantes da Cofins, no caso de 2007?
Gráfico 2 - Fluxo de caixa da previdência e participação da Cofins.(em milhares de reais)

Como vimos, a legislação da tributação da Cofins em termos vigentes é sim injusta no sentido de privilegiar as firmas ligadas à exportação. Com o fim da Cofins, e sua substituição em temos tributários pela ampliação do imposto de renda sobre pessoas físicas, quer-se extender o privilégio antes restrito às firmas ligadas à exportação para todos os setores de firmas. Nesse sentido, apesar da ampliação das alíquotas do IR sobre pessoa física e do imposto sobre fortunas pessoais representar um elemento de justiça tributária, na prática, estar-se-á desonerando as empresas e onerando os indivíduos. Ora, é sabido que desde o final do século XIX as grandes fortunas individuais não são mais responsáveis pelo grosso do capital, mas que este se centraliza
atualmente em estruturas sociais como as firmas, as cooperativas, os bancos, etc. Portanto, não faz sentido, perante o combate à desigualdade sócio-econômica, onerar os indivíduos e desonerar as firmas. Aliás, só pode se entender esse projeto como uma medida política arguta para extender um privilégio fiscal ao conjunto do empresariado e ainda capitalizar ganhos políticos para o governo.
Por último, mas não menos importante, há algumas correções que devem ser feitas à posição do IPEA e de Pochman em relação ao fim da Cofins e a "alardeada" redução da carga tributária sobre produtos alimentícios. É verdade que o consumidor, principalmente o trabalhador assalariado, paga caro na hora de comprar os bens alimentícios por causa da Cofins. Porém, isso só é verdade porque as empresas repassam os custos com o recolhimento da Cofins para o consumidor através do reajuste dos preços. Isso se dá porque as firmas desejam manter ou mesmo ampliar, se possível, a margem entre custos e preços, o que em termos monetários determina o seus lucros. Portanto, não é necessariamente responsabilidade da cobrança da cofins a tributação de alimentos e demais produtos básicos, mas justamente das empresas, que fazem esse repasse em termos de preços. Além disso, como as firmas tendem a buscar ampliações nessa margem, é bem pouco provável que elas escolham mantê-la constante perante a perspectiva de aumentá-la, mantendo os preços constantes ao invés de diminuí-los, dado o fim da cobrança da cofins. Portanto, mesmo o prognóstico pragmático de Pochmann de tirar 6,4 milhões de brasileiros da pobreza e de redução de 0,56 para 0,53 do índice de Gini(mede a desigualdade, quanto mais perto de 0, melhor) mostram-se fictícios. Além disso, corre-se inclusive o risco de ampliação das desigualdades. Como indício dessa afirmação, que não se buscará esgotar aqui nessa breve conclusão, temos a recente alta dos alimentos(cerca de 200%, se não me falha a memória), a manutenção do salário-mínimo em um nível ainda muito baixo(atualmente é de 415 reais)e não correspondente com o intenso fluxo de capital que circula no país, o possível agravamento da situação da previdência(deixando milhões de pessoas sem cobertura universal, e no caso dos idosos, gratuita).
Bibliografia.
VICECONTI, Paulo E. V.; NEVES, Silvério das. Curso Prático deImposto de renda, Pessoa Jurídica e Tributos Conexos(CSLL, PIS e Cofins). 2005. São paulo. Editora Frase.
SOARES DE MELO, José Eduardo. Contribuições Sociais no Sistema Tributário. 2° ed. 1996. São Paulo. Malheiros Editores. Coleção Estudos de Direito Tributário.
O Comércio Exterior em 2007. Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.
Site da Folha. http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u409019.shtml
Site do Senado Federal.
Site Jus Navigandi. Artigo do juiz Wilson de Leite Corrêa sobre o significado de previdência social, assistência social e seguridade social. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1431
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