Por uma política nacional de habitação

tags: déficit habitacional, programa minha casa minha vida, Nene Constantino, Naji Nahas, Jardim Edite, Pinheirinho, desigualdade, economia ufsc

A diferenciação do espaço urbano em termos residenciais tem(...) o papel de viabilizar a reprodução das diferentes classes e suas frações.
Corrêa(p.82).

Nessa sexta-feira(22), o jornalista Renato Alves, do Correio Braziliense, escreveu reportagem sobre o caso de Nenê Constantino, que se encontra foragido da Justiça. A reportagem pode ser acessada aqui. Nenê está sendo processado pela Justiça segundo a acusação de ser o mandante de dois assassinatos em 2001. Os crimes estão relacionados à disputa pelo terreno da antiga Viação Pioneira, em Taguatinga(DF).

Em São Paulo, a Prefeitura está desocupando e demolindo a favela do Jardim Edite, que fica em região valorizada da capital, o Brooklin. O objetivo é construir um conjunto habitacional de 500 apartamentos. A Secretaria de Habitação afirmou que pagaria o aluguel dos 365 moradores remanescentes(eram 854 em 2007) enquanto durar a obra. Depois de concluída, os moradores da extinta favela teriam preferência na compra das unidades. Caso não queiram o apartamento, a Secretaria afirmou que pagaria 8 mil reais para cada família.

Qual é a relação entre os eventos? Os centros urbanos do Brasil sofrem com um problema em comum: o enorme déficit habitacional. Segundo o Ministério das Cidades, faltam 7 934 719 moradias(dados de 2006), o que corresponde a 14% do total. Esse déficit tem como efeito a manutenção de aluguéis e preços de imóveis em patamar elevado, além de forçar trabalhadores que não têm condições de adquirir imóvel, nem pagar aluguel, a ocuparem terrenos. As favelas e cortiços, segundo Corrêa(p.79), servem para reduzir o fundo de subsistência do trabalhador, ou seja, para manter os salários baixos. Além disso, a manutenção do preço de imóveis, aluguéis e terrenos em patamar elevado serve ao capital como reserva de valor e especulação imobiliária.

No Brasil das favelas, cortiços e crédito caro, as "soluções" encontradas beiram a demagogia. No caso de São Paulo, por exemplo, ao invés de fazer a construção progressivamente, evitando a desocupação de todos os moradores, a prefeitura cria outro problema ao buscar uma solução. Onde abrigar os moradores desalojados? A "solução", novamente, deixa a desejar.

"O ajudante de cozinha Josivaldo Silva da Rocha, de 28 anos, diz que há três meses apresenta casas para a comissão da prefeitura que cuida do assunto e suas sugestões não são aprovados, ou ele acaba perdendo o imóvel pela demora dos técnicos irem ao local. 'Eles põem dificuldade em tudo', reclama Rocha. Segundo ele, algumas áreas não são aprovadas por serem consideradas de risco. 'Com R$ 300 ou R$ 500 para aluguel, que área não é de risco? Com R$ 8 mil para comprar casa também não conseguimos nada bom', afirmou." matéria do G1. Para mais informações, acesse aqui.

Além do que, como poderá um morador de favela ter condições de adquirir um imóvel do conjunto habitacional? Apesar de desconhecer as condicionalidades do benefício, é provável que o valor total seja estimado de acordo com o preço de mercado, o qual é elevado, principalmente na região do Brooklin. Ou seja, a "solução" encontrada pela prefeitura na verdade obstrui o acesso à moradia. Logo, não se trata de solução, mas de uma ardilosa carta de despejo.

Outra "solução" é o programa "Minha Casa, Minha Vida". Este apresenta alguns benefícios, que devem ser levados em conta, como a isenção de custos cartoriais, seguro, facilidade no pagamento das prestações e extensão dos prazos. Os critérios também são estabelecidos em três classificações, conforme a renda.

Porém, a medida é obviamente insuficiente. Como já falamos, o déficit populacional é quase de 8 vezes o números de casas previstas no programa. Além disso, a maior parte do gasto total previsto(36 bilhões de reais), 25,5 bilhões, sairão dos cofres públicos. Como o PAC, o programa "Minha Casa, Minha Vida" pode sofrer com a burocracia na liberação das verbas. Sem falar que em um cenário onde o salário mínimo(465 reais) representa apenas 23% do que deveria ser(2005 reais, de acordo com o Dieese), a política deve estar baseada na gratuidade. Por enquanto, as casas não existem, mas como tradicionalmente se mostra a preferência populista pela grandeza, o presidente encheu a boca ao pronunciar que 1 000 000 de casas seriam construídas...

Por último, é louvável que os investigadores da Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida), da Polícia Civil brasiliense, tenham concluído que Nenê seja o responsável. Afinal, em um país em que os investigadores passam a ser investigados...deve se ter muito cuidado com quem se acusa. Que o diga Protógenes! Mas não nos entusiasmemos! Lembremos do caso do terreno de 1.3 milhões de metros quadrados, cujo dono é o megaespeculador Naji Nahas.

Não nos iludamos! Há interesses poderosos envolvidos na manutenção do déficit habitacional. É o caso de megaespeculadores como Nahas, ou empresários mafiosos como Nenê, proprietários de imóveis de aluguel e imobiliárias. Mas, além disso, beneficia-se o capital, como um todo, da renda extraordinária alferida em base especulativa(e ineficiente) e do reduzido fundo de subsistência.

Estas funções, por sua vez, resultam de um processo que está no centro da estrutura sócio-econômica capitalista, o de acumulação de capital que, no caso em tela, implica a criação de novos bairros, a extração de uma renda fundiária e o barateamento do custo da força de trabalho e de sua reprodução, através de residências precárias e baratas
Corrêa(p.79)

No Brasil, as favelas e conjuntos habitacionais(os famosos "pombais") servem para tornar mais barato a já barata força de trabalho. E, com salários tão ridículos, os trabalhadores não conseguem alcançar o sonho de obter a casa própria.

Veja o vídeo bem mais realista que o Uol Notícias fez sobre a desocupação da favela do Jardim Edite, aqui.

É...parece que o conjunto habitacional já tem nome. Ao invés de Jardim Edite, será chamado de Jardim Elite. Por uma política nacional de habitação!

Referência bibliográfica
Corrêa, Roberto Lobato. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ática. 4. edição. Série Princípios.

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